sábado, 26 de abril de 2008

JOÃO CUNHA E SILVA - FUNDADOR DA FÁBRICA DE CALÇADO PEDREIRA / EM ENTREVISTA AO SF

João Cunha e Silva é um dos pioneiros da indústria do calçado em Felgueiras.

Natural de Lagares e a viver à muitos anos na Pedreira, faz 90 anos, no próximo dia 27 de Abril. É do tempo das botas de pneu, feitas à mão e de ir levar encomendas na camioneta “laranjinha” ao Porto, ao Ribeiro do Bolhão.

Na década de 50, do século passado, fundou a fábrica de Calçado Pedreira. Tem nove filhos vivos, alguns dos quais herdaram o seu gosto pelos negócios e que souberam a partir da fábrica mãe, criar as suas próprias empresas, entre as quais se contam, a Sotubo, Longratex, Nobrand e a fábrica de Calçado Baía. Há muitos anos afastado da indústria do calçado, dedicou-se às quintas e terrenos que, entretanto, tinha adquirido, a construir moradias e loteamentos.

Apesar da idade não pára e planos não lhe faltam. Sente-se realizado, feliz e conjuntamente com convidados e os seus mais de 60 familiares no próximo domingo, vai festejar o seu aniversário com uma festa de arromba.


Semanário de Felgueiras (SF) – O Sr. Cunha e Silva é natural de Lagares, não é verdade?
João Cunha e Silva (JCS) – Sim, nasci na freguesia de Lagares no dia 27 de Abril de 1918. Por lá passei a minha infância até fazer a quarta classe, cujo exame fiz em Penacova, porque na altura não havia escola em Lagares.

SF – A seguir a fazer a primária nesse tempo era habitual começar-se a trabalhar?
JCS
- Sim, tinha mais ou menos onze anos quando fui trabalhar para Felgueiras, como caixeiro, na Casa do Lago.

SF – Quanto tempo exerceu essa profissão?
JCS
– Um ano e pouco. Tive lá um problema e vim-me embora.

SF- Que tipo de problema?
JCS – Bem, naquela altura a manteiga que lá vendíamos vinha de Paços de Ferreira, demorava o seu tempo a chegar. Um dia um cliente perguntou-me se ela era fresca e eu disse que não. O dono não gostou do que eu disse e deu-me um abanão. Era um miúdo, só tinha falado a verdade. Fiquei magoado, nunca mais lá voltei.

SF – Depois disso que emprego arranjou?
JCS
– Fui para sapateiro. Aprender com um mestre. Era duro nessa altura. Fazia-se as linhas, ensedava-se, metia-se na sovela, tinha-se que cozer as botas, lixar, etc.… eram aquelas botas de pneu.

SF – Quando começou a trabalhar por sua conta?
JCS – Por volta dos 17anos. O meu mestre Carvalho Dias um dia não aceitou umas botas que fiz alegando que tinham um defeito. Obrigou-me a pagar vinte escudos por elas. Na altura era muito dinheiro. Fiquei aborrecido.
No outro fui a Guimarães, numa bicicleta de pedal, a uma fábrica de curtumes, comprei couro e comecei a fazer botas.

SF – E para vendê-las como era?
JCS – Fui ao Porto, na “laranjinha”, que era um autocarro que levava uma eternidade a lá chegar, contactei o Ribeiro do Bolhão, que tinha uma loja que vendia botas ao pé do mercado do Bolhão e comecei a trabalhar com ele. A partir dai o que produzia ele vendia.

SF – Já trabalhava alguém consigo?
JCS
– No começo só um rapazinho. Mais tarde quando casei aos 19 anos, já tinha três pessoas a trabalhar comigo.

SF – Nessa altura morava onde?
JCS – Em Sernande, só mudei para a Pedreira em 1940, altura em que ali comprei uma casa por 12 contos e trezentos escudos.

SF – Foi nessa altura que construiu a sua fábrica de calçado?
JCS – Não, foi mais tarde. Passados cinco comprei um terreno onde mais tarde fiz uma casa e instalei a fábrica de calçado Pedreira.

SF – Essa fábrica já tinha máquinas ou as botas ainda eram feitas manualmente?
JCS – Já tínhamos umas máquinas Singer, mas era quase tudo feito à mão. Lembro-me que os moldes eram em papelão. Nessa altura já tinha a trabalhar comigo cerca de 15 pessoas.

SF – Mas foi crescendo?
JCS – O negócio correu bem, começamos a vender mais calçado para outras zonas do país, especialmente, para Lisboa.

SF – Nessa altura a fábrica ainda não exportava?
JCS – Não. A exportação de calçado na Pedreira começou no fim da década de 60. Mas quem deu esse impulso no negócio foram os meus filhos que a partir de 1968 já geriam a fábrica.

SF – Quantos filhos teve?
JCS – Treze, embora quatro tenham morrido ainda crianças. Tenho nove filhos vivos que, claro, são o meu orgulho.

SF – Com os seus filhos à frente e com a abertura de novos mercados a seguir ao 25 de Abril, a fábrica expandiu-se muito?
JCS
– Sim, a exportação de calçado para os países da Europa deu uma dimensão muito maior à fábrica e a muitas outras aqui no concelho. De facto, o sector nas décadas de 70 e 80, viveu momentos muito bons.

SF – E os seus filhos também criaram as suas próprias empresas?
JCS – É verdade. Tenho orgulho nisso. Eles a partir da fábrica de calçado da Pedreira criaram empresas como a Longratex, Sotubo, Nobrand, a Baía e outras, que ainda empregam muita gente no concelho.

SF – A partir de 1968 afasta-se do sector do calçado?

JCS – Sim, devido ao falecimento da minha esposa tivemos que fazer partilhas. Por essa altura o meu filho Mário e a minha filha Madalena assumiram a fábrica, entrando os outros mais novos mais tarde.

SF – O Sr. João a que se dedicou então?
JCS
– Eu entretanto tinha comprado terrenos e umas quintas em Sernande, Rande e Pedreira. Fiz, se bem me lembro, cinco loteamentos, construí moradias em banda em Sernande, fui mexendo, não se chega à minha idade estando muito parado.

SF – Como vê o actual momento da indústria do calçado concelhia?
JCS
– Bem, sabe que a indústria calçado baixou muito, a concorrência vinda de países como a China e outros, vieram diminuir as vendas das nossas fábricas. Mas creio que também têm fechado muitas fábricas pequenas que não tinham grandes condições. Acho que as fábricas maiores se deviam unir mais.

SF – E quanto ao concelho no geral?
JCS
– Acho que se devia dar mais atenção às freguesias.

SF – Está a falar da Câmara Municipal?
JCS – Sim, penso que se deveria investir mais nas freguesias. Por exemplo aqui ao lado em Lousada acho que se está a fazer um bom trabalho nessa área. Porém, devo dizer-lhe, que Fátima Felgueiras, é o melhor presidente de Câmara que conheci nesta terra.

SF – Sente-se um homem realizado?
JCS – Claro, sinto-me feliz, pelo que realizei e ainda quero realizar, e por ter uma família que com filhos, esposas, netos e bisnetos, já ultrapassa as 60 pessoas.

NOTÍCIA- SEMANÁRIO DE FELGUEIRAS

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