domingo, 21 de dezembro de 2008

NATAL DE ANTIGAMENTE DA LONGRA / RANDE – FELGUEIRAS


No fecho do ciclo anual, quando mais um ano caminha para o fim do calendário, chega a quadra natalícia que aconchega os ânimos, amenizando o natural tempo soturno de Inverno. Uma época própria das características de Dezembro, mês que (nos adágios populares desta área geográfica) prognostica o tempo que se segue, como estabelece a sabedoria popular na contagem dos “temperilhos e remedilhos” e diversos mais ditados da tradição oral da região interior do distrito do Porto, por terras do concelho de Felgueiras mais propriamente.

Dezembro é especial, pois é o mês de Natal, feliz festa que enche corações e mexe com sensibilidades, desde o significado especial da espiritualidade subjacente, contando a mensagem que dá ser a todo o carácter festivo da época, até às manifestações derivadas, quando se fazem votos de futuro ansiado e se contabilizam balanços de tempos passados, qual lágrima da saudade, projectando o porvir no relance da candura das crianças e desejos de paz nas consciências.

Presépio de tempos passados, numa casa da antiga povoação da Longra


Na actualidade, porém, o consumismo tem ganho meças ao sentido mais espiritual e afectivo da festividade anual de tão forte sortilégio, no apego de tal encantamento, como se nota no caso dos símbolos profanos deterem primazia, notoriamente em ter sido uma bebida americana a impor a figura do chamado Pai Natal com roupas da própria cor mercantilista, como da árvore iluminada, numa grande parte das casas e estabelecimentos, ter suplantado a antiga recreação do Presépio, ou seja, por exteriorizações que alteraram a fisionomia tradicional, neste canto à beira-mar plantado e, também, extensivamente por estas paragens do Douro Litoral...

Desenho (em esboço, do próprio autor) do Presépio construído pelo sr. Góis na igreja de Rande, durante anos da década de 60, do séc. XX (conf. livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”)


O Natal, apesar de tudo, mantém ainda muitas das antigas tradições locais, como é a Ceia da Consoada, reunindo-se as famílias em torno da mesa patriarcal para comer o bacalhau com batatas, ficando a mesa posta noite dentro para união mental com ente-queridos já desaparecidos, enquanto se vai à Missa do Galo (onde isso ainda existe) com cerimónia de Beija-Menino, entre típicas comemorações possíveis, mercê dos laços da tradição.

Presépio da igreja de Rande, nos anos 80 – séc. XX (foto inserta no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”)


Antigamente, ainda há coisa de algumas décadas, por estes nossos sítios, o Natal era vivido com outro deleite e, sobretudo, com mais arreigo às tradições que dos avoengos já vinham.

Dias antes só se viam “moços” a andar nas matas à cata de musgo e ramalhadas, para o efeito. Depois vinha o resto…

Outra versão de um presépio numa casa da Longra… há alguns anos atrás.


Na antiga povoação da Longra, por exemplo, havia presépios tradicionais em muitos estabelecimentos públicos – sendo construídos com autêntico esmero, juntando porções adequadas de musgo e papel sarapintado, a imitar montes e encostas graníticas, por baixo de uma árvore decorada, na qual se exibiam velas de cera a servir de enfeites, em castiçais que, por sua vez, se prendiam por mola apropriada com que terminavam nas pontas… Assim como na maioria das casas, quer com mais estilo, numas, ou simplicidade, noutras, havia presépios, feitos pelo chefe de família ou pelos filhos mais velhos, para gáudio dos mais pequenos… E, por essa altura, então, andavam por fim as crianças de casa em casa a ver os presépios, uns dos outros, e nas lojas e demais estabelecimentos, sendo famoso o presépio que havia na farmácia do Dr. Abreu, tal como era mesmo “bem feito” o da Padaria, entre diversos mais, assim como até nalgumas tascas, como na Loja da Ramadinha, havia um pequeno espaço com musgo para os “bonecos” de barro… Bem como na igreja de Rande, ainda, cujo presépio era afamado, tendo, entretanto, ficado famoso o que durante anos foi construído pelo sr. Góis…

Presépio da igreja paroquial de Rande, há poucos anos, antes das obras recentes.


Mas isso são recordações que cada um guardará para si, conforme seu tempo. E, como algumas dessas e outras lembranças estão registadas em livro, da História local, mais valerá deixá-las no ponto de rebuçado em que jazem na memória colectiva!

Nestes tempos, ainda se mantêm algumas tradições, nalgumas casas, pelo menos, na linha da habituação advinda da casa dos pais… não faltando as rabanadas e os formigos, mais o pão-de- de Margaride, para além de diversa doçaria mais genérica, por assim dizer.

Presépio doméstico de uma casa da Vila da Longra.


Na ligação ao mundo local, há ainda enquadramento a tal quadra mágica no sentimento popular, porque neste torrão, de transição do Entre Douro e Minho, o tempo de Natal possui tamanha essência especial. Nomeadamente, no quadro ambiental do afecto humano, com a junção familiar do ritual da consoada, na evidência dos costumes muito entranhados na alma das pessoas mais ou menos tradicionalistas da região. Apegos provindos de sabores bem guardados desde a infância e como tal fazendo emergir o subconsciente da criança que sempre houve em quase toda a gente, como que transpondo a realidade nos sonhos das fantasias natalícias.


Presépio feito na Casa do Povo da Longra no Natal de 1999


Ao Natal estão indelevelmente associados produtos e hábitos. Cuja amplitude nunca será totalmente possível de compreensão, através de qualquer descrição contada ou escrita, apenas podendo ser entendida quando sentida. Basta aludir as cenas que transportam ao imaginário, como o referido presépio, nas casas de família onde ainda persiste, o quadro terno de felicidade conjunta à mesa de Natal na ceia, na noite das noites, mais as prendas ansiadas pelos mais pequenos, tão ao gosto dos adultos, e depois o almoço familiar no dia propriamente, o dia seguinte, na companhia da doçaria tradicional de rabanadas, formigos, aletria, leite-creme, bolo do tronco-de-natal, barriga-de-freira, quase tudo com sabor a canela do Oriente onde surgiu a Estrela anunciadora do nascimento de Deus-Menino


Vista geral e pormenor de um presépio doméstico… de uma casa da Vila da Longra.


Na roda do ano, como se diz vulgarmente, o Natal é com efeito uma festa-mor, a época que mais fala e toca à crença e sentimento do povo, entre crentes ou não, conservadores ou desapegados, enfim dizendo sempre alguma coisa a toda a gente. Inserida no tempo das Festas Felizes, passando depois pela noite de S. Silvestre da passagem de ano, e com o início de novo ano de seguida vêm os cantares de Janeiras e Reis...


Presépio da igreja paroquial de Rande 2oo8

© ARMANDO PINTO

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